sábado, 18 de janeiro de 2014

Resenha - Lua Vermelha de Benjamin Percy


Benjamin Percy se consagra um autor de respeito com sua obra Lua Vermelha, um épico de lobisomens que chega a extremos inimagináveis e que deixam os leitores aflitos. Com um enredo cheio de tensão e uma trama afiada, o autor não apenas utiliza a ficção como entretenimento, mas também para passar uma mensagem de alerta.


Na história, humanos e licanos - pessoas que podem se transformar em criaturas semelhantes a lobos - convivem em um mundo dividido entre os Estados Unidos e a República Lupina, que atualmente é invadida por tropas americanas e vive um clima de tensão. Os licanos que moram nos EUA sofrem preconceito e são repudiados pela maioria, e quando a Resistência, uma célula terrorista de licanos, inicia uma série de ataques extremistas contra a nação, significa o começo de uma disputa com interesses maiores e de morte. O jovem Patrick Gamble sobrevive a um dos atentados em um avião, e é o único a sair vivo e considerado pela imprensa um herói nacional: o Menino-Milagre; Claire Forrester presencia sua casa sendo invadida por agentes do governo, seus pais sendo mortos, e tudo o que consegue é fugir para bem longe e tentar encontrar um abrigo, mesmo sendo uma licana; o governador Chase Williams deseja o cargo de presidente dos EUA, e para isso, jura que irá proteger o país da ameaça licana, e com a intensificação de seu discurso a discriminação, ele se torna o principal alvo da Resistência. Esses e mais outros personagens se tornarão as principais peças de um jogo que está longe de terminar.

"O licano se move tão depressa que Patrick quase não consegue distingui-lo ou gravar uma imagem; sabe apenas que se parece com um homem, só que coberto por uma penugem cinza parecida com o pelo do gambá. Seus dentes cintilam. A espuma de um assento rasgado transborda para fora como uma tripa de banha. O sangue espirra e tinge as janelas do avião, pinga do teto. Às vezes a coisa está de quatro, outras vezes equilibrada nas patas traseiras. É corcunda. Tem a cara dominada por um focinho achatado e dentes compridos e afiados como dedos magros, o sorrido ossudo de uma caveira. E as patas, imensas, ornadas por longas unhas, estão avidamente esticadas e rasgam o ar. O rosto de uma mulher é arrancado feito uma máscara. O intestino é removido de um ventre. Um pescoço é devorado até o osso em um beijo apavorante. Um menininho é puxado e arremessado contra a parede, fazendo silenciar seus gritos."
Páginas 19 

É difícil descrever tudo aquilo que Lua Vermelha é. O romance épico de Percy tem tantas facetas a serem exploradas, tornando-a uma obra sem precedentes a altura. Dividido em três partes, a cada etapa ultrapassada, o leitor se surpreende mais ainda, não só com as iniciativas dos personagens, mas também com a situação em si, que se mostra tão indelicada.

"A cabeça do cadáver está submersa e quase invisível na água vermelha turva. O Homem Alto põe o pé dentro da piscina, como se para testar a água, e cutuca o corpo. Ele flutua até a superfície e o rosto o encara, de boca aberta, qual um desenho a lápis borrado por dedos úmidos."
Página 144 

Acredito que o livro não é apenas mais uma história de entretenimento na literatura, sem nenhuma mensagem nas entrelinhas, ou que possua uma trama batida. Benjamin se aproveita da ficção e da mitologia para falar ao leitor sobre atentados terroristas e sobre como a segurança nacional é falha. Não é nada paranoico como A Janela de Overton e suas teorias de conspiração, mas é o suficiente para deixar o leitor assustado e atento ao mesmo tempo. É claro que ainda se trata de uma ficção, mas a analogia feita por Percy não é algo tão distante do que pode acontecer hoje em dia.

"Continua tentando ver. Como se, pela simples força de vontade, pudesse desenvolver uma visão extrassensorial. O esforço faz suas órbitas arderem, parecendo inchadas de sangue. Claire ouve Puck dar uma risada seca feito um latido, mas é difícil situá-lo, pois o som reverbera nas paredes curvas e no teto cheio de arestas e se espalhas pelos muitos cômodos, buracos e corredores que penetram a escuridão ao redor.
Ela dá um grito ao escutar uma voz úmida e borbulhante de sangue bem a seu lado:
- Estou sentindo seu cheiro, belezoca."
Página 198/199

A escrita de Benjamin Percy é outro fator positivo. Sem muitos diálogos, ele consegue narrar a história com um pingo de terror psicológico, nos envolvendo de tal maneira na trama, que é impossível de resistir. Com descrições extensas, mas nada enfadonhas, o livro tem um ritmo bom, além de quando terminarmos um capítulo, querermos logo iniciar o próximo. O melhor de tudo, é que o autor também tem bastante conhecimento técnico sobre o que está escrevendo, não só na descrição de lugares e personagens ou fatos, mas também em explicações científicas e médicas, já que os licanos são frutos de um vírus - o lobos, uma espécie de príons - e Percy utiliza termos para acrescentar a narrativa, mas sem deixar o leitor aturdido com tantas informações. É até interessante esses conhecimentos.

"Patrick não espera ver o homem se transformar. Tira a pistola do cinto e o acerta no pescoço. O licano ergue a mão para conter o sangue que bombeia. Um jorro espirra por entre os dedos. Patrick volta a atirar, dessa vez no peito. O corpo do homem desaba embolado junto ao violão. Não é o primeiro de Patrick, nem vai ser o último. É assim que as coisas são agora."
Páginas 388 

No geral, Lua Vermelha foi uma grata surpresa. Com personagens bem estruturados, antagonistas e anti-heróis apresentados em uma trama de arrepiar, é difícil um leitor não se agradar com a história - até o mais paranoico. Benjamin foi feliz em construir um enredo tão verossímil como esse, sendo cruel e bondoso com seus protagonistas, e acrescentando até um pouco de romance. Mas sinceramente, o epílogo é de revirar o estômago, e fica a pergunta se haverá uma continuação ou se o autor apenas deixou no ar uma ameaça...

"Claire deveria lhe dar um tiro. Sente-se instável da mesma forma que se sentiu minutos antes na beira do precipício, atraída para a borda. Caso se mova, pode morrer, mas ele também. Só que ela está vidrada no olhar dele e não consegue se mexer. De tão cinzentos, os olhos dele são quase pretos. Desprovidos de luz. Mas ela sabe que pouca coisa escapa àqueles olhos."
Página 418 

Seria muito se eu pedisse pra vocês lerem Lua Vermelha agora?

"Uma noite dessas, provavelmente quando a lua estiver cheia, eles irão desligar as televisões, pousar os garfos ou parar de transar um instante, inclinar a cabeça intrigados, andar até a janela para olhar os próprios reflexos deformados e se perguntar o motivo dos uivos que cada vez mais enchem a noite."
Página 429

***

Ficha do Livro:


Título: Lua Vermelha (Red Moon)
Autor: Benjamin Percy
Tradução por: Fernanda Abreu
Editora: Arqueiro
Páginas: 432
Gênero: Ficção, Terror
Lançamento: 2013

15 comentários:

  1. Quando se trata de tramas sobrenaturais que envolvem lobisomens e vampiros, minha tendência é passar longe. A Passagem é um exceção. E, depois de ler sua resenha, estou tentado a considerar que Lua Vermelha também possa ser. Não previa um enredo tão denso; espero que não haja um romance piegas entre uma humana e um desses seres. Mas de todo modo, tenho que admitir que fiquei intrigado.

    Abraços
    Juan - sempre-lendo.blogspot.com.br/

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    1. Olha, eu acho que você iria gostar dessa leitura, porque é um livro bem interessante, e foi bom ter citado A Passagem, e posso dizer que Lua Vermelha é uma versão com lobisomens, apesar de serem super diferentes. Tem um romance, mas sabe, eu até que esperava que o autor fosse focar no casal, mas acabou que só se tornou um elemento passageiro durante o livro. Leia sim, porque é MUITO BOM!

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  2. Eu realmente não esperava um livro tão intrigante! Pensando agora, eu só li um livro de lobisomens (Fúria Lupina, do Alfer Medeiros, autor nacional), então, talvez este seja um título bom para começar a me aventurar por esse tipo de leitura. Pesquisando rapidamente agora, até que o preço não está tão caro, talvez entre em promoção logo ou o e-book compense.

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    1. O livro, tendo o preço sugerido pela editora, custa R$40,00, mas eu consegui ele por R$26,00 no Estante Virtual, mas pelas lojas como Submarino, Saraiva e etc, talvez você encontre por um preço em conta. E tem o e-book. Acho que é barato também.

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  3. Preciso confessar que, antes de todas essas resenhas empolgadas e elogiosas - e, claro, do próprio Stephen King declarando ter ficado com a história na cabeça, (não que eu seja fã desse mestre do horror) -, eu acreditava ser esta uma história chata e repleta de política. Até conversei com o Leo, do Um Leitor a Mais, a respeito.
    Entretanto, parece que estou errado.
    Quer dizer, já me convenci disso.
    E sim, quero ler esse livro. Todas essas críticas me convenceram. Mas, espere, uma dúvida rápida e decisiva: o autor é técnico demais? =S

    Abração,
    João Victor - Amigo do Livro
    http://amigodolivro.blogspot.com.br/

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    1. Olha, o autor só é técnico nas partes das explicações sobre os príons e o que são os licanos, fora outros, e além disso, ele é muito descritivo. Não é cansativo em nenhum momento, então acho que não chega a ser um problema. Acho que o leitor nem percebe. Mas leia sim, porque é ótimo!

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  4. Outras resenhas já tinham comentado sobre o livro e como ele era interessante, lobisomens não são meu forte, mas vou tentar dar uma chance dps da resenha ;)

    Andy_Mon Petit Poison
    POISON BOOKS - A Queda dos Cinco (Pittacus Lore) http://bit.ly/LH51KC

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    1. Sério, nem é um livro sobre lobisomens, o autor só usa mesmo essa mitologia pra contar uma história sobre terrorismo de outra forma - e até sobre preconceito. É uma ótima leitura, e vale a pena conferir :D

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  5. Interessante você citar "A Janela de Overton" em sua resenha, já que pensando bem "Lua Vermelha" tinha mais motivos para ser paranoico e acontece justamente o contrário. Interessante algumas coisas que acontecem na literatura.
    Em relação ao livro, não tinha tanta curiosidade, mas a sua resenha mostrou que isso precisa mudar. Não imaginava que o livro poderia tratar de assuntos tão intrigantes, como o terrorismo, e sabendo disso vejo o livro com outros olhos a partir de agora. Espero conseguir ler em breve.

    Abraços,
    Ricardo - www.overshockblog.com.br

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    1. É o tipo de leitura que mesmo tendo elementos fantasiosos - como os lobisomens - sabe acrescentar e muito. Vale a pena a leitura, que de longe, é excelente!

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  6. Após o mundo "pós-Crepusculo" (sem ofensas a quem gosta), tenho um certo receio de ler livros com lobisomens e afins. Sério, um mundo em que lobisomens são lindos, e arranca suspiros das meninas e blábláblá. Enfim, mas esse livro parece ser bem diferente disso tudo; talvez eu dê uma chance para ele!
    Beijos,
    www.tesouroliterario.com

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    1. Lua Vermelha passa super longe da trama criada em Crepúsculo, soa até infeliz comparar as duas obras que pertencem a gêneros tão diferentes. Leia sim, pois é ótimo!

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  7. Eu, no começo, não tive muito interesse pelo livro, mas depois de tantas resenhas com uma dose extra de animação é impossível não se perguntar sobre o que a trama oferece e tentar entender o motivo das pessoas falarem tão bem. É. Acho que quero ler.

    memorias-de-leitura.blogspot.com

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    1. Sério, acredite em todas essas resenhas empolgadas, pois Lua Vermelha é excelente! Acho que a Arqueiro acertou em cheio em trazer um título como esse para cá!

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  8. Esse livro me deixa intrigada há um tempo já e sua resenha aumentou minha curiosidade. Espero conseguir colocar minhas mãos nessa belezinha em breve.

    http://leitoraemtransicao.blogspot.com.br

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